Pense
num beco estreito e sombrio, sem calçamento e sem asfalto, cercado de galpões
antigos. Imagine-se que está a entrar por uma porta, lá pela madrugada. Você
avista jovens de jeans rasgado, camiseta preta, cabelo eriçado,
bracelete, tatuagem e piercing. Com latinhas de energético nas
mãos, dançam sorridentes e saltitantes. Casaizinhos em cantos escuros trocam
carícias e beijos... A descrição é de um encontro evangélico que se torna cada
vez mais comum, e com apoio das lideranças, em nossos tempos pós-modernos. É a
“balada gospel”, diferente da balada original, balda mundana, pois foi
“gospelizada” pelos frequentadores, pertencentes à “geração gospel”. Muitos
cristãos do tempo atual têm usado o adjetivo “gospel” pra “santificar”
atitudes, posturas, comportamentos, condutas e eventos que antes estavam
relacionados a pessoas que não conhecem o Evangelho. Alguns partem da premissa
que ‘‘crente’’ tem liberdade pra
fazer o que quiser; se divertir do jeito que entender – mesmo imitando mundanos
–, e ninguém tem nada a ver com isso.
“Não
me diga que você é um daqueles protestantes retrógrados que pensa: participar
de festa junina é impróprio pra cristão. Deixa de ser legalista, meu chapa!
Acorda, rapá!”, diria famoso telepregador gospel.
Isso
mesmo: existe “arraiá gospel”, conhecido como “festa jesuína”, inclusive em
algumas pretensas Assembleias de Deus. O mesmo se aplica a baile e desfile de carnaval,
música erotizante (simula o ato sexual), esporte violento e sanguinário – cuja
“bola” a ser chutada /golpeada com a mão é a cabeça do “esportista” –,
Halloween (trocara pra “Elohim”), “pegação”, etc.
Como
se depreende da leitura deste artigo, “gospelizar” é, pretensiosamente, “tornar
evangélico” pois “gospelizado” o que era considerado pecaminoso pode ser
praticado livremente, sem peso na consciência. O lema dos crentes da
“geração gospel” é: “Vamos curtir a vida. Afinal, Jesus não é careta.”
Os
líderes e membros das igrejas “gospelizadas” se conformaram com o mundo. Seus
cantores se inspiram em astros mundanos, como declarou, há algum tempo, o
integrante de uma famosa banda gospel: “A gente ouve Bob Marley, mas só pra se
informar.” A tônica das mensagens “evangelísticas” pregadas nessas igrejas é:
“Venha como está e fique como quiser.”
Empreguei
o termo “gospelização” pela primeira vez em abril de 1994, em texto que escrevi
pro jornal Mensageiro da Paz.
À
época, escrevi: “Os que quiserem podem até pular carnaval, pois já existem blocos
de ‘samba evangélico’. Para os apreciadores de bebidas fortes já existe a ‘cerveja
gospel’, sem álcool. E não ficaremos surpresos se lançarem o ‘cigarro gospel’,
sem nicotina.”
Naquela
época, esse texto soou como profético pra conservadores, e ácido demais pra
liberais, em razão do processo de “gospelização” ainda estar em seu início.
Não
tenho conhecimento do “cigarro gospel”. Em compensação, temos “carnaval
gospel”, “arraiá gospel”, “dia das bruxas gospel”, “lutas de
gladiadores gospel”, “barzinho gospel”, “balada gospel”, “funk
pancadão gospel”... Como dizem em um “meme” do Facebook, “só está faltando
o inferno gospel.”